Hoje vou falar de um tema que me toca profundamente. Vou falar de minha aldeia, Miniara-Akkar, que fica no topo de uma montanha e tem o Mediterrâneo a seus pés. Miniara é uma daquelas aldeias milenares que ornam o Líbano.

por Georges Bourdokan Hoje vou falar de um tema que me toca profundamente. Vou falar de minha aldeia, Miniara-Akkar, que fica no topo de uma montanha e tem o Mediterrâneo a seus pés. Miniara é uma daquelas aldeias milenares que ornam o Líbano. Foi ali que nasceu o imperador romano Alexandre Severo e Israel destruiu minha infância. Vivi em Miniara até os 10 anos de idade, filho de pai libanês e mãe baiana. Miniara é uma aldeia cristã e resistiu ao cerco dos cruzados durante três meses, até que os escorraçamos em maio de 1099. Dirão, mas, se a aldeia era cristã, por que enfrentou os cruzados? Simples. Entender que os cruzados defendiam o cristianismo é o mesmo que entender que os israelenses defendem o judaísmo. A exemplo dos cruzados, os israelenses entendem mais de saques, massacres e genocídio do que de fé. (Dez anos mais tarde, os cruzados avançarão sobre a cidade de Trípoli, a 15 quilômetros de Miniara, massacrarão a população e queimarão os 100.000 volumes de sua Biblioteca Dar-Al-Ilm. Israel fará o mesmo passados mil anos, mas, ao contrário dos cruzados, suas tropas jamais tiveram coragem de lutar corpo-a-corpo). Da neve, vou falar da neve que cobria a aldeia no inverno, dos lobos que rondavam a nossa casa em busca de alimentos e de seus uivos que cortavam as noites de lua cheia; das flores e perfumes da primavera que arrebatavam os rouxinóis cujo canto atravessava a alvorada e cessava somente ao pôr-do-sol; do outono, quando as folhas se despediam das árvores e forravam o chão de ouro; do verão, ah!, o tão esperado verão cujo sol abrasante amadurecia os frutos. Quem experimentou subir numa figueira e colheu um delicioso figo terá um sabor permanente a lembrá-lo daquele momento. Dos pessegueiros e das macieiras, das ameixeiras e amoreiras com seus bichos-da-seda, das nogueiras, amendoeiras e pereiras. Das parreiras nem quero falar, porque em nosso quintal, além da sombra que nos propiciavam, mais felizes ainda ficávamos quando colhíamos seus cachos maduros. Minha lembrança me remete a uma em especial, de imensos cachos de uva fina comprida e sem sementes que atendia pelo nome de dedo-de-noiva. Entre a aldeia e o mar há uma pequena planície, a planície de Akkar, cujos trigais de espigas douradas balançavam ao sabor do vento, dando a sensação de movimento, um enorme tapete mágico. As aulas eram em período integral, mas havia dias em que preferíamos explorar as gigantescas cavernas recheadas de morcegos e de extensão quilométrica, a ouvir o professor fazendo explanações sobre a nossa história milenar. Com certeza essas cavernas serviram de modelo para a construção do labirinto de Creta onde Teseu enfrentou o minotauro. Incrustados nas cavernas, túmulos fenícios que jamais foram abertos. E o que dizer das moedas romanas que encontrávamos sob os escombros de Arca Caesarea para trocar por doce? Arca, nome que revela sua origem romana, foi soterrada por um terremoto em 1157 e nunca mais se recuperou.