Um mês atrás, um release chegou até nós, produzido pela assessoria CONTATO COMUNICAÇÃO & MARKETING, e fazia ali a divulgação do restaurante Arabesco. Mais especificamente, anunciava uma das delícias do Oriente, o faláfel. E apresentava assim o produto ao “Caro jornalista”: “Você sabia que o Faláfel é um prato típico da cozinha israelense?”. Não saberia, pois, na verdade, ele tem uma origem árabe, ainda que não se saiba ao certo o lugar exato de seu nascimento. Para ser justo com a CONTATO, não foram eles que instituíram o faláfel como o snackfood oficial de Israel ou como um prato típico israelense, uma expressão que arrepia palestinos, especificamente, ou árabes, de um forma geral. É só dar um google em “faláfel israelense”. Apesar de uma investigação não poder precisar onde aparece pela primeira vez, não parece haver dúvida quanto a sua origem árabe. Existem referências de que teria surgido no Iêmen, sudoeste da península Arábica. Outras indicam que pode ter vindo do Egito. Já outros acreditam que nasceu de fato na Palestina. Leila Kuczynski, de origem libanesa e proprietária do restaurante Arábia, explica que a origem árabe pode estar denotada na palavra faláfel, vinda de uma raiz que significa algo como “algo temperado” ou “algo apimentado”. “De tudo que li, o mais certo é que o faláfel tenha se originado na Palestina, pois os palestinos comem muita fava, uma espécie de feijão mais largo, e o prato é feito basicamente com essa fava”. A proprietária do Arábia faz questão de me indicar um artigo do New York Times, já de tempos, de julho de 2002, com o título “Uma História do Oriente Médio no humilde grão-de-bico”, escrita por Jodi Kantor. O título do email enviado por Leila com o artigo é “Faláfel: delícia árabe ou judaica?”. Na verdade, a pergunta não faz muito sentido, o que pode se inferir do artigo: o faláfel, sendo uma delícia árabe, não está restringida e não deixa de ser também judaica. Mas, ao ser israelense, cai em uma categoria diferente, não pode ser de mais ninguém e perde a riqueza de seu desenvolvimento como prato culinário. Voltemos a nosso guia pelo problema, o release, do qual colocamos aqui apenas trechos: ali diz-se que o faláfel é o “acarajé das Arábias*”. Uma nova referência se faz quando, mais adiante, nos é dada a informação de que “...através do cultivo desse rico grão (o grão-de-bico) surgiu um dos pratos mais apreciados na Cozinha Árabe*: o faláfel...”. (grifos meus) Adiante, no entanto, ele muda de novo, é novamente um “prato de origem israelita; surgiu nas terras de Davi e Salomão, na época do Império Otomano, quando os governantes do Oriente Médio receberam uma grande quantidade do grão para alimentar seu povo”. Na época do Império Otomano, as terras de Davi e Salomão eram a Palestina. E os governantes eram muçulmanos não-árabes. No final do release, não sabemos ao certo a origem do faláfel e temos uma noção confusa da atual geografia do Oriente Médio, mais especificamente daquela que envolve as regiões próximas à Palestina, que, aliás, não chega a ser citada no texto. O release, no entanto, é uma ótima demonstração de como o discurso distorce realidades políticas e geográficas, e culinárias, no Oriente Médio. No final das contas, somos informados que o Arabesco é um restaurante que segue “a receita de um modo bem original”, um “prato israelita nascido no Império Turco” em um restaurante “especializado na cozinha sírio-libanesa”. Um faláfel das Arábias tipicamente israelense? Beto Isaac, o proprietário do Arabesco, é brasileiro também de origem libanesa. Ele não corrobora o erro do release que anunciava seu próprio restaurante e está mais inclinado a aceitar a origem árabe do prato. No entanto, não vê sentido nas discussões que querem ‘aprisionar’ o prato. “O rico na culinária, de receitas de comida, são as trocas. O legal de você olhar para o faláfel é saber como cada comunidade come, e com o quê. Alguns fazem com fava e grão-de-bico, outros misturam com o babaganush e óleo de gergelim. Eu faço aqui só com o grão-de-bico e algum temperinho. É uma receita de nossa família, que veio de uma aldeia no Líbano. Cada comunidade come de um jeito, inclusive os judeus que viviam nos países árabes também comiam do seu jeito”. Leila, que faz o seu faláfel no Arábia à base de fava e grão-de-bico, e com temperos diversos, complementa e diz que o prato acabou se difundindo não apenas pela região, mas por Europa e Estados Unidos. “Foi ao Líbano, Síria, Egito, Israel, Grécia, França. Você vê muito nos filmes americanos. É um assunto muito discutido, mas a origem é árabe”. O artigo do New York Times, em um de seus trechos, elucida como os judeus que inicialmente chegaram à Palestina foram influenciados pelas formas de vida dos árabes; isso incluía comer o que ali se comia: “Por mais surpreendente que possa parecer, dado a característica sangrenta e a forte animosidade do conflito israelo-palestino, o sionismo sempre foi perfumado com um toque de romance de cultura árabe. Os judeus da Europa Oriental que migraram para a Palestina no final do século XIX e início do XX rejeitaram seus passados continentais em favor de voltar a suas raízes antigas. ‘Os assentados judeus estavam à procura de novas maneiras de conectar-se com seu passado bíblico’, ‘ e os árabes eram os modelos perfeitos’” . A explicação foi dada por Yael Raviv, na época da reportagem um estudante israelense que escreveu sua tese de doutorado sobre o nacionalismo israelense e sua cozinha. Mais à frente na reportagem; “Alguns assentados judeus na Palestina referiam-se a si mesmos como ‘Beduínos Hebreus’ e vestiam kaffyehs, ou os lenços árabes para a cabeça. ‘Politicamente, os sionistas ignoram os árabes, mas culturalmente eles romantizam e tentam imitá-los’, disse Yael Zerubavel, um estudioso da cultura israelense em Rutgers (Universidade Estadual de New Jersey)”. Ah, se o faláfel falasse... **Leia a matéria do NY Times na íntegra: http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9B0DE3DF1430F933A25754C0A9649C8B63&sec=&spon=&pagewanted=2