Senador brasileiro vai ao Iraque e encontra autoridades com cargos mas sem poder

Qua, 02/04/2008 - 00:00
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Icarabe: Então seu envolvimento vem de longa data. Como surgiu a oportunidade de ir até lá? Suplicy: Em março do ano passado, o ex-primeiro-ministro, Ibrahim Al-Jaffari, visitou o Brasil, quando almoçamos. Disse que gostaria de propor ao Iraque, fazer uma proposta ao Parlamento. Aí que surgiu o convite do presidente do Conselho de Representantes do Iraque, da Assembléia Nacional, Mahmoud al-Mashhadani. Eu iria, estava tudo acertado, no início do ano passado, na semana santa. Mas aconteceu que o ministro das Relações Exteriores e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-executivo, ficaram muito preocupados. O Samuel veio até minha sala me visitar, conversamos por uma hora. Pelas informações que ele tinha, a situação era tão perigosa que mesmo na Linha Verde não havia segurança nenhuma. Naquele dia saiu em todo o noticiário que o secretário-geral da Onu levou um susto, no momento em que dava entrevistas. Ele deu um pulo, pois a 50 metros dele explodiu uma bomba que matou diversas pessoas. Dei razão a eles, adiei a ida para junho. Aí o ministro Celso Amorim me mandou uma carta dizendo que a situação era muito séria. Mas em outubro do ano passado o embaixador Bernardo de Azevedo Brito me telefonou dizendo que havia estado três dias em Bagdá e que a situação estava melhor, e que seria possível planejar a nossa viagem para janeiro. Ela iria de 16 a 18 de janeiro, mas por causa do toque de recolher, só foi possível por dois dias. Icarabe: Como foi tomar contato com a realidade que só via pelos noticiários e relatos de autoridades brasileiras? Suplicy: Fiquei muito impressionado, por exemplo, com os cuidados extraordinários que as pessoas têm que ter com a segurança, e, inclusive, na Área Verde, por exemplo, uma pessoa como o Nawfal Assa Alssabak (vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Iraque), que nasceu e morou ali durante sua infância e juventude, ele que conhecia tanto a cidade e a considerava a mais linda do mundo, disse que estava irreconhecível. Na Área Verde, está tudo cercado por muros, não se vê os edifícios, as residências. Imagine viver em uma cidade como essa, volta e meia ter que passar por barreiras de segurança, identificando-se, com pessoas armadas, soldados e tanques. Li outro dia que uma explosão na Área Verde matou 62 pessoas, uma área superprotegida. Mas lá fui muito bem recebido. Conversei com cinco ministros de Estado. O mais importante foi com o ministro do Planejamento (Ali Ghalib Baban). Fui recebido na residência do Ibrahim Al-Jaafari, e ali fiz uma palestra sobre a renda básica. Isso para mais de 40 pessoas, cerca de 30 parlamentares, o presidente da Alta Corte Suprema, e ministros de Estado. No dia seguinte, na minha visita ao presidente da Assembléia Nacional do Iraque, ele me deu as boas-vindas, dizendo que eu era considerado um amigo verdadeiro do Iraque, porque vinha de um país onde as pessoas de diferentes origens haviam demonstrado como viver em harmonia e como tínhamos conseguido estabelecer a democracia por meios democráticos, e embora eu sabendo dos riscos que eu estava correndo, havia ido até lá para apresentar uma proposta interessante para o Iraque. Ele disse que achava que, porque a Assembléia Nacional do Iraque era composta por representantes jovens, eles iriam aprovar uma proposta nesse sentido, e pelo diálogo que tivemos com todas essas autoridades, sai de lá com bastante otimismo. Icarabe: A distribuição de renda bastaria para uma estabilização social, afinal, o Iraque é um país em guerra, onde várias forças procuram ocupar um vazio deixado por uma força ocupante? Suplicy: Na medida em que xiitas, sunitas, curdos, judeus, cristãos e todos os segmentos possam se sentir vivendo em um país onde haja instituições consistentes com os princípios de solidariedade e de justiça, sem dúvida isso poderá contribuir para a realização da paz, da justiça, baseada na justiça, e então a paz. Eu, quando fiz a exposição a eles, mencionei que o técnico brasileiro, Jorvan Vieira, da seleção do Iraque no ano passado, disse em entrevista que, quando começou a treinar o time, percebeu que era muito difícil aos xiitas passar a bola aos sunitas, e daí aos curdos, mas quando ele conseguiu harmonizar o time, ganhou a Copa da Ásia. Icarabe: O senhor disse em seu relatório que o Iraque teria melhores condições de fazer esse tipo de distribuição do que o Brasil. Por quê? Suplicy: O Iraque tem uma extraordinária reserva do petróleo. Fui informado que o Iraque tem a maior reserva de petróleo, ultrapassou a Arábia Saudita, que era o primeiro lugar, e agora seria o Iraque. Das 12 das maiores reservas que existem no mundo, 9 estão no Iraque. Icarabe: Disse em determinado momento que em uma de suas palestras um grupo de mulheres do governo se interessou pelo projeto. O que especificamente chamou-lhes a atenção? Suplicy: Sim, é verdade. Elas queriam saber, sob o ponto de vista das mulheres, como a renda básica contribuiria e muito para assegurar direitos iguais às mulheres, inclusive que visassem à ampliação do seu grau de dignidade e de liberdade. Icarabe: Por que procurou fazer uma relação entre o projeto e o Alcorão? Suplicy: Quando fiz a exposição, transmiti, comecei dizendo que a proposta da renda básica tem seus fundamentos em todas as religiões, inclusive no Alcorão, pois os seguidores de Muhammad, como os quatro califas que escreveram o livro dos hadiths, Omar, o segundo deles, escreveu que todo aquele que detém um grande patrimônio deve destinar uma parcela deste patrimônio para os que não têm, e isso foi muito bem aceito por eles.