José Farhat explica situação atual do Iraque

Qua, 20/04/2011 - 08:13
O diretor de Relações Nacionais e Internacionais do Instituto da Cultura Árabe, professor José Farhat, participou do curso "Países Árabes: Conjuntura atual e perspectivas", para falar sobre a atual conjuntura política do Iraque, após a ocupação pelas forças estrangeiras. Nesta entrevista, Farhat descreve a situação política e econômica do país, e coloca algumas perspectivas diante dos acontecimentos recentes no mundo árabe.  

Qual é a atual conjuntura política no Iraque?

O Iraque sempre foi palco para divergências étnicas resultantes de inúmeras facções, de maioria árabe, é verdade, mas também de muitas outras que têm interesses particulares. O sectarismo e a politização religiosa também sempre tiveram um papel importante (foi no Iraque que se travaram as batalhas da divisão do Islã em sunismo e xiismo) e continuam influenciando o dia a dia dos iraquianos. Outros aspectos importantes para os distúrbios são: desemprego, falta de serviços básicos, desigualdade, corrupção desenfreada, entre outros.No entanto, as bases para um entendimento que leve ao início da melhoria das condições políticas existem. O Iraque tem atualmente um processo político em andamento; o Iraque não tem um processo democrático em vigor.

Podemos considerar que os Estados Unidos alcançaram seus objetivos com a guerra e invasão do Iraque?
Os Estados Unidos ocuparam o Iraque com base em mentiras, que são de domínio público, na esperança de se apossarem do petróleo iraquiano. Não há dúvida sobre isto. Eles irão se retirar do Iraque, ao custo de cerca de 5.000 combatentes estadunidenses mortos, mais número desconhecido de mortos pertencentes à forças armadas terceirizadas, fora as mortes de seus aliados, um custo direto de 800 bilhões de dólares e um total, incluindo indiretos, de três trilhões de dólares. Deixam o Iraque e ninguém, absolutamente ninguém, garante que virá um novo governo, após a retirada, e re-nacionalizará o petróleo iraquiano. Objetivo algum estadunidense foi ou será atingido, em minha opinião. Não tenho monopólio desta opinião.

Há perspectivas hoje para que aconteçam no Iraque mobilizações semelhantes às que observamos em outros países árabes, como Egito, Líbia e Tunísia? 
O Iraque já tem um regime democrático e esta reivindicação não tem cabimento; o que falta é sua aplicação correta e justa. Sob este aspecto não há campo para mobilizações.O que ocorrerá, isto sim, são acertos entre as três antigas províncias otomanas: Mossul, Bagdá e Basrah, a respeito de inúmeros aspectos. Um deles é a união das desunidas etnias kurda e árabe, os acertos entre os burocratas (sunitas) de Bagdá que fortuna alguma têm e os ativos e ricos em petróleo de Basrah (xiitas).Haverá manifestações sim, mas as cartas estão marcadas: a sobrevivência de todos está na união. Os kurdos podem e têm condições de declarar independência, já estão com governo funcionando (conforme tive a oportunidade de constatar in loco), mas não lhes convém abrir uma frente contra a Turquia no momento atual e irão preferir se abrigar, temporariamente, no conforto do Iraque unido. Entre Bagdá e Basrah é igualmente complicado, mas têm interesse, de parte a parte, a continuarem unidos.No entanto, ao se manifestarem, os iraquianos reivindicarão o pão, o pão de cada dia.

Qual a atual situação da oposição? 
A oposição pensava existir uma democracia no Iraque. Ganhou as eleições, obteve a maioria das cadeiras no Parlamento, mas não conseguiu formar um governo. As múltiplas interferências externas, de vizinhos regionais, e principalmente de potências internacionais, tentando minar os resultados das eleições, ao cabo de meses de negociações frustrantes, teve que aceitar uma conciliação com o poder de plantão e largar de mão o seu direito constitucional e democrático de formar o governo e aceitar compartilhar do poder. É uma situação que promete ações futuras, pois o acordo nacional para formar o governo não tem bases sólidas, estão sustentadas tão somente pela presença dos Estados Unidos como força de ocupação.

Constantemente lemos nos jornais brasileiros notícias sobre acontecimentos violentos no Iraque.
Qual a real influência de grupos islâmicos como a Al Qaeda no país?
 
Os acontecimentos violentos no Iraque, segundo amigos com os quais falo sempre pelo telefone, são causados pela ocupação estrangeira. Eles afirmam sempre que os iraquianos saberão se reconciliar tão logo cesse a ocupação. Os estadunidenses, afirmam eles, estão feito baratas tontas, cada dia armam um grupo para no outro armar o adversário, treinam uma força militar local, sem suspeitar que estejam criando uma força que irá expulsar as forças estadunidenses e britânicas terceirizadas que ficarão disfarçados de conselheiros, guardiões dos sítios e projetos petrolíferos, e outras funções que garantiriam a ocupação oculta.