Martin Chulov, em Fallujah

Médicos de Fallujah, enclave do Iraque destruído pela guerra, estão lidando com até 15 vezes mais deformidades crônicas em bebês e uma disparada em casos de cânceres nos primeiros anos de vida que podem estar ligados a materiais tóxicos deixados durante os combates. O extraordinário crescimento em defeitos de recém-nascidos está ocorrendo nos últimos meses desde que os especialistas que trabalham no saturado sistema de saúde de Fallujahh começaram a copilar relatórios clínicos detalhados de todos os bebês nascidos. Neurologistas e obstetras da cidade entrevistados pelo Guardian dizem que o crescimento de defeitos em recém-nascidos – que incluem um bebê com duas cabeças, bebês com tumores múltiplos e outros com problemas no sistema nervoso – não têm precedentes e até agora são inexplicáveis. Um grupo de autoridades iraquianas e britânicas, incluindo a ex-ministra iraquiana para assuntos da mulher, Dra. Nawal Majeed a-Sammarai, e os médicos britânicos David Halpin e Chris Burns-Cox enviaram uma petição para a assembléia geral da ONU a fim de solicitar que um comitê independente realize uma investigação completa dos defeitos e ajudem a limpar os materiais deixados após décadas de guerra – incluindo os últimos seis anos, desde que Saddam Hussein foi deposto. "Nós estamos observando um aumento significativo em anomalias no sistema nervoso central", afirma o diretor geral do hospital de Fallujah e especialista sênior, Dr. Ayman Qais. "Antes de 2003 [início da guerra] eu via números esporádicos de deformidades em bebês. Agora, a frequência das deformidades cresceu dramaticamente." O aumento da frequência é severa – de duas admissões por quinzena há um ano para duas por dia agora. "A maioria ocorre no cérebro e na espinha dorsal, mas também há muitas deficiências nos membros inferiores", diz ele. "Também há um aumento muito acentuado no número de casos com menos de dois anos [de idade] com tumores cerebrais. Este é agora um foco de tumores múltiplos." Depois de vários anos de especulação e evidências anedóticas, formou-se o cenário de um fenômeno altamente perturbador em uma das áreas mais destruídas do Iraque. Anteriormente, todos os fetos abortados, incluindo aqueles malformações ou crianças que não receberam tratamento contínuo, não eram listados como casos anormais. O Guardian pediu a uma pediatra, Samira Abdul Ghani, que guardasse relatórios precisos durante um período de três semanas. Seus relatórios revelam que 37 bebês com anomalias, muitas deles com defeitos no tubo neural, nasceram durante este período apenas no hospital geral de Fallujah. Dr. Bassam Allah, o chefe da ala infantil do hospital, apelou esta semana a especialistas internacionais para que coletem amostras do solo de toda Fallujah e a cientistas para que iniciem uma investigação sobre as causas de tantas doenças, sendo que a maioria delas, ele afirma, teriam sido "adquiridas" pelas mães antes ou durante a gravidez. Outras autoridades de saúde também estão começando a se concentrar em possíveis razões, a principal delas são potenciais contaminações químicas ou radioativas. Números anormais de tumores infantis foram repetidamente citados em Basra e Najaf – áreas que no passado também foram zonas de batalha intensa onde munição moderna foi usada pesadamente. Os médicos da linha de frente de Fallujah estão relutantes em fazer essa ligação direta com os combates. No lugar disso, citam múltiplos fatores que podem ter contribuído. "Eles incluem poluição, radiação, produtos químicos e drogas usadas durante a gravidez, má-nutrição, ou o estado psicológico da mãe", afirma o Dr. Qais. "Nós simplesmente não temos as respostas ainda." As anomalias são evidentes por todo o recém-inaugurado hospital de Fallujah e em centros para pessoas com deficiências por toda a cidade. Somente em 2 de novembro, havia quatro casos de defeitos do tubo neural na ala neonatal e muitos mais estavam em tratamento intensivo e em clínicas de pacientes não-internados. Fallujah foi o cenário das únicas duas sequências de batalhas que se seguiram à invasão iniciada pelos Estados Unidos. Por duas vezes em 2004, fuzileiros navais dos Estados Unidos e unidades de infantaria travaram violentos embates com milícias sunitas que se aliaram a antigos integrantes do partido Baath e do exército iraquiano. A primeira batalha foi disputada para encontrar os responsáveis pelas mortes de quatro seguranças privados da Blackwater que trabalhavam para os Estados Unidos. A cidade foi bastante bombardeada por artilharia americana e jatos de combate. Armamento controverso foi usado, incluindo fósforo branco, que o governo dos Estados Unidos admitiu dispor. Estatísticas sobre tumores infantis não são considerados tão confiáveis quanto novos dados sobre anormalidades no sistema nervoso, que em geral são evidentes imediatamente após o nascimento. O Dr. Abdul Wahid Salah, um neurocirurgião, afirma: "Com defeitos no tubo neural, suas cabeças são frequentemente maiores do que o normal, eles podem ter deficiências no coração e olhos e seus membros inferiores são muitas vezes apáticos. Não houve um registro metódico aqui no período após a guerra e nós padecemos disso. Mas [em relação ao aumento dos tumores] eu posso dizer com certeza que nós observamos um crescimento brusco em malignidade no sangue e esta não é uma anomalia congênita – é uma doença adquirida." Apesar de financiar totalmente a construção do novo hospital aberto em agosto, com instalações bem equipadas, o Ministério de Saúde do Iraque continua em grande medida sem efetividade e incapaz de coordenar uma resposta às necessidades urgentes da cidade. A falta de capacidade do governo levou as autoridades de Fallujah, que historicamente têm sido cautelosos com a intervenção estrangeira, a pedir ajuda da comunidade internacional. "Mesmo no campo científico, tem havido relutância em contatar outros países”, afirma Dr. Salah. "Mas nós já passamos do ponto agora. Eu estou realizando múltiplas cirurgias diariamente. Tenho um assistente e sou obrigado a fazer tudo eu mesmo." Reportagem adicional:Enas Ibrahim. Tradução Isabelle Somma. O vídeo e a matéria original podem ser encontrados em: http://www.guardian.co.uk/world/2009/nov/13/Fallujah-cancer-children-birth-defects