por Safa Jubran* No dia 18 de fevereiro, última quarta-feira, aos 80 anos de idade, morria em Londres e após uma longa enfermidade o escritor sudanês Tayeb Salih, um dos mais proeminentes nomes da Literatura Árabe do século XX. Autor de escritura enxuta, Tayeb Salih diz muito com poucas palavras. Entre os romances assinados por ele, estão O casamento de Zein que, transformado em filme, ganhou prêmios no festival de Cannes de 1967, Um punhado de Tâmaras, Mariúd e a obra-prima Tempo de migrar para o norte, de 1966. Esse impactante romance, traduzido para mais de trinta línguas, inclusive o português, foi listado em 2002 entre as 100 melhores obras de ficção mundial, de acordo com os votos de 100 notáveis escritores de 54 países, evento organizado pelo Clube do Livro Norueguês. Foi também eleito o melhor romance árabe do século XX. Salih também escreveu contos publicados inicialmente em revistas e mais tarde reunidos em livros. Embora relativamente poucos, todos seus trabalhos foram marcantes por inúmeras razões, dentre as quais a temática da busca de identidade do árabe africano, principalmente nos anos 60, marcados pelo fim do colonialismo e do surgimento do nacionalismo em toda a região. Um dos personagens principais de Tempo de migrar para o norte descreve o tempo vivido no Ocidente, onde seduz e abandona uma série de mulheres antes de se casar finalmente com uma inglesa, após uma relação tempestuosa de amor e ódio, que acaba com o assassinato da mulher pelas mãos do marido. Vários críticos especularam se os eventos do romance não seriam baseados na vida do autor, o que Salih sempre negou, insistindo ser o romance totalmente ficcional. (leia resenha do livro de Michel Sleiman) Apesar de não ter sido oficialmente proibido, nos finais dos anos 90, o governo sudanês considerou o romance pornográfico, argumentando que violava os ensinamentos islâmicos. No entanto, a maioria acredita que o descontentamento do governo com o livro resulta de sua dura descrição das condições políticas e culturais do Sudão que, não só através deste como dos outros trabalhos, Salih deu a conhecer para além das fronteiras geográficas de seu país natal. Nas palavras de Milton Hatoum, Tempo de migrar para o norte é um “romance denso e evocativo, com lances da lírica árabe”, e é também “o de impasse e o da dúvida: tempo de desespero, na medida em que o sonho da Europa torna-se um pesadelo, e a esperança ou a crença no futuro é banida do lugar de origem”. (do texto de orelha da tradução brasileira, pela Editora Planeta, 2004) A seguir leia o trecho final do romance: Pensei que se morresse naquele momento teria morrido da mesma forma que nasci: sem minha vontade. Durante toda minha vida, nunca escolhi, nem decidi. Eu estou decidindo agora. Eu escolho a vida. Quero viver porque existem algumas poucas pessoas com quem gostaria de passar o maior tempo possível, porque tenho deveres a cumprir; não me importa se a vida tem sentido ou não. Se não sou capaz de perdoar, tentarei pelo menos esquecer. Viverei com força e com argúcia. Bati os braços e os pés com dificuldade e consegui levantar todo o corpo até a superfície. E, com toda a força que me restava, gritei feito um ator cômico num palco: “Socorro! Socorro!”. * Safa Jubran é professora do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo e coordenadora do programa de Pós-Graduação de Letras Árabes da USP.