Edward Said, em seu Orientalismo, enxerga a construção da imagem do árabe pelo Ocidente, como o outro, o irracional, o vilipendioso, tendo como uma das bases para sua argumentação, revelado na introdução da obra, a noção de hegemonia de Gramsci, o consenso dentro da sociedade civil na qual certas formas culturais predominam sobre outras, assim como certas idéias são mais influentes do que outras. Esse conceito, diz Said, é “um conceito indispensável para qualquer compreensão do Ocidente industrial”. Desse modo, a imagem do árabe não é aquilo que é, mas aquilo que o ocidente faz com que ela seja. E dentro das estruturas conceituais que construíram essa imagem, o cinema foi no século XX uma importante forma de atuação desse Orientalismo. Durante todo o último século, a indústria do cinema foi uma plataforma onde esse “árabe” do Ocidente pôde existir e agir. Dentro dessa linha trabalha a obra “Reel Bad Arabs: How Hollywood Vilifies a People”, livro de 2001 de Jack Shaheen, e que virou filme em 2007. Uma pequena parte deste trabalho pode ser conhecida em trailer no YouTube. O trabalho de Shaheen, um crítico de mídia, inclui consultoria para canais de TV e produtoras de cinema, como DreamWorks, Warner Brothers, Hanna-Barbera e Showtime. Ele é autor de quatro livros: Nuclear War Films, Arab and Muslim Stereotyping in American Popular Culture, The TV Arab e Reel Bad Arabs, o mais famoso deles. A frase inicial do trailer, palavras de Jack, é a seguinte: ”Nós desaprendemos muito do nosso preconceito contra negros, nativo-americanos, judeus, outros grupos. Por que não podemos desaprender nosso preconceito contra árabes?” Como “o grupo mais maligno que Hollywood já construiu”, os árabes não poderiam ser retratados de outra forma que não a de trapaceiros ou a de pessoas encharcadas com uma luxúria exagerada, incontrolavelmente obcecados pela mulher americana, em filmes que se passam nesse mitológico mundo árabe, ou que apenas os usam como personagens para tiradas cômicas. Mesmo os desenhos animados são poderosos instrumentos na disseminação dessa imagem. “O filme Alladin foi visto por milhões de crianças no mundo inteiro, e foi aclamado como um dos maiores sucessos da Disney. No entanto, Alladin reciclou cada velho estereótipo degradante do passado holywoodiano mudo e em preto-branco”. Se não entrar em qualquer das categorias acima, o árabe, então, e isso a partir dos anos 90, aparece como o terrorista. Mas, ressalta Shaheen, o terrorista incompetente. No fim, toda a fúria e a irracionalidade, que seria a principal linha de ação de um árabe, sucumbe à racionalidade ocidental. Esse foi o retrato que Hollywood não se acanhou em fazer. Mas por mais que a cidade-estúdio seja um poderoso instrumento na construção do outro, e em um âmbito mais complexo dentro do que Said chamava de Orientalismo, os agentes culturais, opinião de Shaheen, não podem se acanhar em desmontar a estrutura que constrói esse “árabe”. “Sempre que vemos alguém sendo humilhado e desprezado em uma base regular, temos que nos levantar, sejamos produtores de filmes ou não, pois temos que tomar uma posição, pois é imoral e eticamente errado demonizar um povo”. Veja o trailer do filme: http://br.youtube.com/watch?v=Ko_N4BcaIPY&feature=related