Manifestações da oposição transformam Beirute em um violento campo de batalhas

Qua, 31/01/2007 - 02:50
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por Robert Fisk (publicado no The Independent) O pior dos pesadelos pode ter começado novamente. Havia milhares – cristãos enfrentando cristãos ao Norte de Beirute, muçulmanos sunitas e xiitas na capital, uma chuva de pedras e ocasionalmente tiros disparados – que ontem transformaram o Líbano em um campo de batalhas sectário. Na esquina da rua Corniche al-Mazraa, vi o que talvez os historiadores amanhã chamem de o primeiro dia da nova guerra civil do Líbano: um número enorme de rapazes, apoiadores e opositores do governo de Fuad Siniora, gritando e jogando milhares de pedras uns nos outros enquanto um soldado libanês desesperado sentou-se próximo a mim e chorou. Para o exército deste país trágico, é a fina linha vermelha que se coloca entre um futuro para o Líbano e a loucura de um conflito civil. Após 31 anos neste país, eu nunca realmente acreditei que veria novamente o que testemunhei nas ruas de Beirute ontem, onde milhares de muçulmanos xiitas e sunitas, os primeiros apoiadores do Hizbollah, os últimos do governo que era antes conduzido pelo ex-primeiro-ministro assassinado, Rafik Hariri, jogando pedras e troços de metal uns nos outros. Eles caíram em torno de nós, destruindo e quebrando a sinalização nas ruas, as propagandas penduradas e os vidros do banco onde nos encostamos. Ao mesmo tempo, os soldados, com muita coragem, corriam para as ruas e avenidas para tentar, com um desespero que todos conheciam, separar os jovens uns dos outros. Alguns dos xiitas, membros do partido Amal, leais ao porta-voz do parlamento, vestiam e máscaras pretas, a maioria atirando paus e pedras. Seus predecessores, provavelmente seus pais, vestiam-se desta forma há 31 anos atrás, quando lutaram nas mesmas ruas, prontos para assassinar, todos confiantes na integridade da sua causa. Talvez eles inclusive usassem as mesmas botas. Algumas das tropas atiraram ao céu; eles gritavam aos atiradores de pedras “Pelo amor a Deus, parem”, gritou um dos soldados “por favor, por favor”. Mas a multidão não escutava. Eles xingavam uns aos outros de “animais”, uns mostravam pôsteres de Hassan Nasrallah e Michel Aoun (aliado de Nasrallah) e outros o de Saddam Hussein. E assim, até o câncer do Iraque se espalhou pelo Líbano ontem. Foi um dia de vergonha. Pelo Líbano, corriam notícias de homens mortos, dois ou seis dependendo da fonte, e pelo menos 60 feridos. E os líderes do país estariam escrevendo as suas narrativas sobre a história moderna do Líbano. Nasrallah, herói da última Guerra de verão com Israel, como ele gosta de imaginar ao exigir a renúncia do governo, enquanto Siniora e seus colegas chamaram o ocorrido de uma tentativa de golpe de Estado das forças da Síria e do Irã. Não é tão simples assim. De um lado, os xiitas, que foram sempre os menos favorecidos, os pobres, os despossuídos, aqueles que foram sempre ignorados pelos senhores e patriarcas do governo libanês, o que torna isso tudo também uma revolução social; do outro lado, os sunitas, apoiados por Hariri, além dos Druzos e Cristãos que foram leais às forças libanesas de 1982, que massacraram os palestinos nos Campos de Sabra e Chatila, assim como a maioria dos inocentes libaneses que colocaram Siniora no poder. Assim, no norte de Beirute, as forças cristãs de Aoun tentaram bloquear as estradas. Em Tripoli, apoiadores do filho de Hariri, Saad, estavam lutando contra apoiadores alaoítas da Síria. Em Hazmieh, eram os xiitas contra cristãos, e em Corniche al-Mazraa, eram os xiitas contra sunitas. Como disse Nasrallah, isso não é uma Guerra civil, e de fato os homens de Nasrallah eram de longe os mais disciplinados nas ruas de Beirute, mas foi ele quem de fato chamou a greve geral na noite de início da conferencia de Paris, que estaria sendo feita para salvar a economia do Líbano. Com a greve, houve o bloqueio das estradas, com queima de pneus e blocos de concreto, canos e borracha provindos da guerra do verão. Eu e Abed, meu motorista, tentamos chegar ao aeroporto, mas nuvens densas de fumaça preta vinham da borracha queimada em todas as avenidas próximas. Eu andei 3 milhas até o terminal para encontrar tanto o Hizbollah como as tropas libanesas protegendo o local. Quando nos voltamos, Abed tentou dirigir passando pelos pneus queimados, mas prendeu um deles sob o nosso carro, as chamas aumentando ao lado e ele fazendo a curva para sair enquanto um homem do Hizbollah gritava. Siniora condenou tudo isso na noite passada, exigindo uma reunião de emergência do parlamento. Ele ainda planeja ir ao encontro de Paris. Mas como ele chegará ao aeroporto? “Nós não estamos com medo”, disse Nasrallah ontem, “nós não recuaremos… não seremos jogados nas ruas (da guerra civil)”. Mas ele deveria ter ido a Cornich al- Mazraa. Por toda Beirute, o Hizbollah, a maioria vestindo roupas pretas (este é o mês da Ashura, não?), fechou as ruas e o exército parou para assistir. É em sua maioria um exército de xiitas, pois os xiitas são a maior comunidade no Líbano, mas nas ruas eles foram forçados a lutar. Assim que sentei com soldados rodeados de pedras e muitos dos projéteis atirados violentamente das varandas dos prédios de oito andares, vi eles fraquejarem sob pressão. Um deles ajoelhou-se e vomitou; outros estavam quase derrubados por seu próprio gás lacrimejante, atirados inutilmente na vasta multidão. Pois estas não eram uma revolta de Belfast ou demonstrações em Gaza. Milhares de pessoas clamando os seus ódios por aqueles que vivem do outro lado do boulevard. Havia apenas alguns oficiais. Mas após uma hora, um coronel libanês, muito bem vestido, desceu a rua de forma objetiva, firme em direção à Estrada no meio dessas duas grandes ondas de pessoas cheias de ódio, mesmo com as pedras caindo sobre o seu capacete, corpo e pernas. E os soldados ao redor levantaram e seguiram também para a Estrada, juntando-se a ele e ficando entre as duas enormes forças. Eu não gosto de jornalistas que se apaixonam por exércitos. Eu não gosto de exércitos. Mas ontem parecia que este homem simbolizava sozinho o que estava entre o Líbano e o caos. Eu não sei a sua religião. Seus soldados são sunitas, xiitas e cristãos. Será que eles poderiam continuar juntos, poderiam continuar sob o seu comando se os seus irmãos e primos estivessem, e provavelmente estavam, no meio da multidão ? Mas eles ficaram. E alguns enfrentaram os homens de máscara e os jovens que não conheceram a última guerra civil, pedindo e gritando para eles acabarem com a violência. Eles ganharam. Mas e hoje? http://news.independent.co.uk/world/fisk/article2180764.ece Traduzido por Soraya Smaili