Amrik, uma exposição das raízes árabes na cultura sul-americana - de 9 de agosto a 17 de setembro de 2006

Ter, 16/11/2004 - 00:00
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O Icarabe, em um projeto grandioso de divulgação da cultura árabe, trouxe a São Paulo a exposição de fotos “Amrik – A Presença árabe na América do Sul”. Durante mais de um mês, o público pôde conferir o trabalho de 21 fotógrafos que montaram uma visão geral do que uma das culturas mais antigas da história da humanidade legou, e lega, ao continente sul-americano; os costumes, as roupas, a literatura, a grafia que valoriza a arte, a arquitetura e, claro, as pessoas. São fotos que trazem imagens da presença árabe no continente, em cidades como Salta, na Argentina, Cuzco, no Peru, Sucre, na Bolívia, Santiago, no Chile, e Manaus, no Brasil. A cultura árabe tem suas características desenhadas no imaginário de populações do “Ocidente” e, quase sempre - por uma ilusão criada por preconceitos e fantasia literária -, de forma exótica e distante. Mas a cultura que vem da região do Oriente Médio conhecida como árabe está, na verdade, enraizada de forma visceral no continente latino-americano. A exposição - originalmente criada pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro na ocasião da 1ª Cúpula Países Árabes-América do Sul - ganhou uma forma muito própria na realização do Icarabe. Além do destaque das fotos, expostas no salão da Galeria Olido, a mostra Amrik foi composta por uma exibição de filmes do acervo do Instituto, atividades culturais e debates que procuraram discutir e apresentar questões atuais a respeito da cultura árabe. Além disso, o Dîwân de poesia e dança do Icarabe ganhou uma produção própria para ser apresentado na Amrik! A montagem foi coordenada por Lelia Maria Romero, Safa Jubran e Soraya Makhamara, e rememorou práticas de pessoas que se reuniam e sentavam juntas para falar e ouvir poemas. O espetáculo, através da poesia de árabes e brasileiros, mostraram a herança que as letras árabes legaram à América do Sul, tanto com a influência hispânico-andaluza quanto com aquela que chega com os imigrantes, sejam eles libaneses, sírios ou palestinos. “Amrik era, no imaginário desses árabes, o destino muitas vezes desconhecido para a emigração, mas que trazia a possibilidade da construção de uma nova vida. ‘Amrik!’, diziam. Era a viagem que abria novas possibilidades”, explica Soraya Smaili, presidente do Instituto da Cultura Árabe. Abertura Mostra Amrik A abertura da Mostra AMRIK/Presença árabe na América do Sul, no dia 9 de fevereiro, apesar de estar em São Paulo, não deixou de se ligar a suas raízes, encravadas em grande parte nos territórios de Líbano, Síria e a ocupada Palestina. A festa da abertura da Amrik, no entanto, apesar de um caráter de festa, não pôde ignorar a destruição da região. Naquele momento, estava em seu início os ataques israelenses ao sul do Líbano. Cláudio Kairouz, no qânun, e Samir Souri, no derbacke, tocaram músicas tradicionais de Líbano e Palestina. O repertório usual dos músicos - “Eu amo o Líbano” (Bihebak ya Libnán), Nassan Aleina el Haua (algo como “o vento soprou sobre nós”, “o vento nos leva de volta”) e “Volte a reconstruir o Líbano” (Rejea itaamer Libnán) – parecia feito especialmente para os tempos atuais. No entanto, os temas e a apresentação musical apenas nos lembraram que o Líbano já passou por outros tempos em que parecia que seria destruído. Como lembrou Cláudio antes da última canção, “tentam destruir seguidamente esta cultura, mas ela existe há milênios e ninguém conseguiu ou conseguirá acabar com a sabedoria e a riqueza da cultura árabe”. Soraya Smaili, presidente do Instituto da Cultura Árabe, então, fez a abertura oficial do evento e expôs a importância e os objetivos da mostra. “Com esta mostra, vamos divulgar a enorme influência que a cultura árabe tem e teve junto à sociedade brasileira, especialmente na cidade e no Estado de São Paulo, onde se concentrou o maior contingente da imigração árabe no nosso país”. Ela lembrou que, aqui, esses imigrantes e seus descendentes transferiram seus costumes, hábitos e muito de sua cultura para o Brasil. Ainda na abertura, falou o secretário-adjunto da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, José Roberto Sadek, “principalmente como representante da secretaria de cultura, mas também como um descendente de árabes”. Ele havia visto a mostra em Brasília e lá descobriu, em uma das fotos, um parente distante de sua mãe que vivia no Uruguai. “Estive em Brasília durante a Cúpula Países Árabes-Sul-americanos, pude ver a exposição lá e em uma das fotos vi um parente distante, um primo de minha mãe. Comprei o catálogo e mostrei para ela. Ela me disse, ‘mas a exposição poderia vir para cá’. Agora, na parceria do Instituto da Cultura Árabe com a secretaria de Cultura e a Imprensa Oficial, ela está em São Paulo”. O geógrafo Aziz Ab´Saber, professor emérito da USP e presidente de honra do Instituto da Cultura Árabe, fez, em 1997, o caminho inverso de seu pai e visitou Líbano e Síria. Queria conhecer a terra de Nacib Ab´Saber. “Uma das coisas mais maravilhosas é viajar para conhecer outras culturas, as músicas, as manifestações. Minha viagem ao Líbano me abriu os olhos. Por isso, estou em desespero com os acontecimentos desse novo sistema que se levanta, desse novo fascismo contra o Líbano. E aí me lembro de meu pai, que atravessou o mediterrâneo para buscar meu avô e veio parar no Brasil. Lembro da história de meu pai. Lembro dessa história com muita sentimentalidade. Me lembro do Líbano, da Síria e da Palestina e escrevo no meu caderninho o nome dos maiores cretinos desse começo de milênio”. O sentimento dos imigrantes, de descendentes e de brasileiros que aprenderam, e aprendem, com a história dos árabes, de sua vinda ao Brasil e com suas contribuições a nossa cultura se assemelha ao de Aziz. Os retratos dos imigrantes - resignados, de cabeça baixa, sérios, tristes – poderiam ser fotos do presente. “Quase sem percebermos, esta mostra trouxe-nos um outro objetivo, o da afirmação de uma identidade cultural, em uma sociedade que a acolheu e a absorveu perfeitamente, a sociedade brasileira. Esta afirmação torna-se mais do que necessária no momento em que tantas agressões estão sendo vistas, inclusive a monumentos históricos e culturais do Líbano, tal como ocorreu nos bombardeios a Baalbek. Infelizmente, não foram somente monumentos que foram destruídos, mas também vidas humanas e estruturas básicas e fundamentais de um país soberano. Por esta razão, não poderíamos deixar de mostrar toda nossa solidariedade e a Amrik também se engaja na campanha de ajuda humanitária ao Líbano e Palestina. Não poderíamos deixar de prestar uma homenagem às centenas de civis, entre eles crianças que morreram nos últimos ataques ao Líbano”, afirmou Soraya. Aí, fez-se um minuto de silêncio. Mas as culturas árabe, libanesa e palestina insistem em não se calar. E a Mostra Amrik foi uma boa chance de ouvi-las. PROGRAMAÇÃO: Dias 9, 16 e 30 de agosto - Mabruk!, Nour el Raim e Entreventres fizeram exibições de danças da região, como a dança folclórica síria e do ventre. Debates: 26 de agosto - a jornalista Mona Anis, editora cultural do jornal egípcio Al-Ahram Weekly, falou sobre a cobertura da mídia internacional sobre o Oriente Médio e também da imprensa dos países árabes, em mesa coordenada por Francisco Miraglia. 27 de agosto - a escritora Afaf el-Sayyed debateu a questão feminina no Oriente Médio contemporâneo,em mesa coordenada pelo professor de literatura Mamede Jarouche. 2 de setembro - após a exibição do filme “O povo brasileiro – a matriz lusa”, de Darcy Riberio, o geógrafo e professor-emérito da USP, Aziz Ab´Saber, deu a palestra “A Importância da Imigração Árabe no Brasil”. Mostra de Cinema - apresentação dos filmes “Selves and Others: a portrait of Edward Said”, um documentário sobre o intelectual palestino Edward Said, morto em 2003; “Escritores nas fronteiras” , de Samir Abdallah e José Reynes, história da visita de oito renomados escritores ao poeta exilado Mahmud Darwish; “Sendo Ossama” , também documentário, dos diretores Mahmoud Kaabour e Tim Schwab, trata das mudanças nas vidas de cinco descendentes de árabes, que vivem nos EUA e no Canadá, após o 11 de setembro; “Sob o Céu do Líbano” e “A grande Viagem” . Edição especial do Dîwân de poesia e dança para a Amrik. A montagem, coordenada por Lelia Maria Romero, Safa Jubran e Soraia Makhamara, rememora práticas de pessoas que se reuniam e sentavam juntas para falar e ouvir poemas. Coordenação: Lygia Rocco Francisco Miraglia Carlos Madi Gabriel Bonduki