Aziz destaca importância do estudo de culturas de forma independente

Sex, 16/12/2005 - 11:50
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No lançamento de “Edward Said: trabalho intelectual e crítica social”, Aziz Ab´Saber destaca o pensamento independente de Said no estudo das culturas sob um olhar de não-oposiçãoNo último dia 13 de dezembro, foi realizado no Museu da Casa Brasileira o lançamento do livro “Edward Said: trabalho intelectual e crítica social”, organizado pelo Instituto da Cultura Árabe. Ali, para lembrar o intelectual palestino, o professor, renomado geógrafo e presidente de honra do ICArabe, Aziz Ab´Saber, falou para uma platéia de cerca de 200 pessoas. Para destacar a importância da obra de Said, Aziz começou por contar a história de Nacib Ab´Saber em seu caminho desde uma pequena aldeia no Líbano até o interior de São Paulo. ‘Nacibinho’, antes de vir ao Brasil, passou ainda por Beirute e Zahale, onde trabalhava sempre na porta dos mercadões, “os mercadões sempre fizeram parte da vida dele”. Mais tarde, Nacib conheceria os mercados de Taubaté e São Luís do Paraitinga. O pai de Aziz deixou o Líbano por desejo de sua mãe, com medo dos conflitos que angustiavam a população da região. O próprio Nacib quase perdera a vida: “Um dia ele estava no mercadão de Beirute e, de repente, entraram alguns drusos. Um deles colocou uma arma na fronte do meu pai e perguntou: ‘É um cristão que morre?’. Um homem próximo disse: ‘Não tenho certeza’”. Nacibinho se salvou. Ele deixava a terra na qual nascera para chegar ao Brasil das histórias de seu pai e onde vivia seu irmão. Chegou pelo Rio de Janeiro com uma leva de outros árabes. “Ele vê os colegas saírem para as mais diferentes direções e ele ficou sozinho. Curiosamente ele achou por bem, sabendo que já existiam muitos árabes que vieram da Síria e do Líbano, ele resolver dar umas voltinhas para ver se via alguém que tivesse o rosto do árabe”. E encontrou. Uma senhora. “Falou em árabe com ela e ela explicou como chegar a São Luís do Paraitinga. ‘Vai até o final dessa rua, ali tem um acesso que vai dar na Central do Brasil. Lá você coloca o dinheirinho na frente da bilheteria e só diz: Taubaté!’”. Depois, de Taubaté a São Luís do Paraitinga, e lá, com a brasileira Maria Juventina de Jesus, Nacib fincou raízes e fez família. Aziz seria um dos sete filhos do casal. Aziz explicou que, contando a história de seu pai, se referia a história de todos os imigrantes árabes que chegaram, e chegam, ao Brasil. “Esses imigrantes se tornaram regatões ao longo dos rios amazônicos, se tornaram comerciantes em Pelotas, em quase todas as cidades do Estado de São Paulo. Encontrei árabes em minhas viagens a Campina Grande, também na longínqua Rio Branco, no Acre”. Para Aziz, os imigrantes árabes, apesar de terem se fundido à população brasileira, deixaram um legado e uma cultura que podem ser desfrutados pelos descendentes. E quando fala de cultura, Aziz explica que o sentido da palavra não pode ser resumido a espetáculos e eventos, festas. “É preciso saber o que é cultura. É um conjunto de valores animológicos, da alma, sociológicos, das relações humanas, das questões de família, da transmissão de conhecimento através da linguagem oral, na família e escola. E por último os valores tecnológicos, dos produtos que acompanham o homem, desde o arco e a flecha até os revólveres”. No estudo das culturas não como trincheiras que dividem, mas como conjuntos que se relacionam, é que Aziz acredita que reside a importância do pensamento de Edward Said. Seja no entendimento das diferenças religiosas que se transformam em fonte de dominação política no mundo árabe, e na tentativa de saná-las, ou no entendimento das culturas que surgem em solo brasileiro, e que muitas vezes são ignoradas pelo poder público. “E nesse sentido fiquei pensando muito, temos que ter ética com o outro, com todos os outros. Não podemos ser como os políticos, que pensam apenas em reeleições e trabalham nas reeleições até em projetos que foram retirados do passado, sem saber que os projetos têm que ser para toda uma área, para a Amazônia inteira, para todos as 23 células da Amazônia que já estabeleci. Uma vez mandei para o presidente da República uma idéia, eu pensava que deveria ser organizada uma reunião coletiva em Brasília para se discutir uma metodologia para agir em todas as áreas da Amazônia, do alto do Solimões, ao norte ao sul. Não recebi nem resposta. ‘Nós vamos transpor as águas do São Francisco, nós vamos fazer porque os outros não puderam fazer’, e eu não concordo com essas coisas. Gosto da independência, da independência baseada na cultura, e é isso que eu proponho a vocês no momento em que estamos homenageando um dos homens mais cultos do mundo árabe, e que foi da Palestina para os Estados Unidos e pensou e meditou. Admito que conheço mal a obra de Edward Said, mas por todas as informações que obtive a respeito de sua mentalidade, temos que respeitá-lo, assim como temos que respeitar pessoas como Euclides da Cunha, como Sérgio Buarque de Holanda, como Caio Prado Júnior, outras pessoas que trabalharam pelo país independentemente de políticas, de eleições. Na pessoa de Edward Said, temos um rumo para eliminar conflitos, fazer a paz entre os grupos humanos independentemente de onde nasceram ou da religião que tenham adotado”, finalizou Aziz Ab´Saber. PARA MOHAMED HABIB, SAID É A PONTE INICIAL ENTRE OCIDENTE E ORIENTE O professor Mohamed Habib, pró-reitor de extensão da Unicamp, nasceu em Port Said, Egito. Lá, viveu e mesma época colonial inglesa que influenciou o palestino Edward Said. Apesar de não freqüentar as mesmas salas de aula do Cairo, Habib teve o mesmo ensino doutrinado pelos ingleses em escolas de Alexandria e de sua cidade natal. Para o egípcio, a marca da obra de Said está no fato de que conseguiu tornar claro os sentimentos e apreensões do povo árabe. “Ele consegue trazer para o ocidente o que ele viveu e sentiu dentro de uma maneira que o Ocidente entenda com toda a facilidade. Isso é muito diferente do que um árabe que vive no Oriente Médio escrever uma obra e depois ser traduzida para uma língua ocidental. Ele viveu as duas realidades e absorveu a cultura de duas realidades, por isso ele tinha uma capacidade fantástica de trazer o conteúdo que ele viveu e sentiu no Oriente Médio”. Para Habib, o problema não é o idioma em si, mas a estrutura lingüística. Com o domínio de ambas as línguas, pelo fato de ter sido educado sob um ponto de vista ocidental, mas ter sido capaz de fazer uma reflexão sobre sua própria condição de árabe, ele pôde transmitir o de um árabe que viveu as épocas do colonialismo britânico e depois as influências do imperialismo norte-americano no Oriente Médio. “Faz de tal maneira que o leitor do ocidente absorve, ele entende o que Said quer dizer. Representava um intelectual raro, tanto no ocidente como no oriente. Era uma fugira rara, por sua cultura, por sua capacidade incrível de reflexão”. MÚSICA No final do evento de lançamento, Carlinhos Antunes e a Orquestra Mundana fizeram uma apresentação musical misturando diversas influências, desde o samba, até percussões africanas e harmonias árabes. Segundo Antunes, “uma tentativa de mostrar a diversidade da própria cultura que se reúne no Brasil”.