Debate sobre filme de Amos Gitai destaca interdependência entre israelenses e árabes

Sex, 03/02/2006 - 00:50
Publicado em:

Em "Free Zone", diretor retrata encontro de três mulheres como metáfora da conjuntura atual da questão palestina, que cria barreiras para solução, mas não impede relações entre as sociedadesHanna Ben Moshe, a personagem israelense do mais novo filme de Amos Gitai, interpretada por Hana Laszlo, está desesperada para chegar à Jordânia, a um lugar chamado Free Zone, onde negociantes israelenses, palestinos, sírios, egípcios e iraquianos realizam operações comerciais. Acompanhada da estadunidense Rebeca e ao encontrar a palestina Laila, as três mulheres serão a metáfora de Gitai para representar a atual situação no Oriente Médio. No dia 31 de janeiro, a Reserva Cultural promoveu a exibição do filme seguida de um debate. Participaram o jornalista e crítico de cinema Christian Petermann, a ex-secretária de Cultura do Estado de São Paulo Cláudia Costin, o historiador e ativista de direitos humanos Celso Garbarz, a presidente do Instituto da Cultura Árabe Soraya Smaili e a também historiadora, autora de "Marxismo e judaísmo" e organizadora do livro "Edward Said: trabalho intelectual e crítica social" Arlene Clemesha. No debate, houve a preocupação de não se fazer uma discussão exclusiva da questão política envolvida na ocupação do território palestino, mas, assim como fez Gitai, fazer uma análise do dia-a-dia das pessoas que vivem o conflito. Entretanto, a política também entrou em debate, pois discutir o cotidiano torna-se impossível sem discutir-se a política complexa da região. Soraya Smaili destacou no filme a profunda interdependência entre as sociedades da região e disse que a questão "não é só dos vizinhos, pois na jordânia há mais de 50% de refugiados. A Questão Palestina era Universal, atravessou fronteiras". Além disso, para Smaili, a relação entre a israelense Hanna e a palestina Laila seria uma demonstração de que “as duas sociedades já têm relações inseparáveis, relações imbricadas e próximas e a coexistência é necessária e possível. Existem movimentos pacifistas conjuntos e existe mais diálogo do que imaginamos. O ódio não existia entre os dois antes de 1947, foi uma coisa que se deve a outros interesses políticos criados a partir da criação de Israel". Na viagem em busca da sobrevivência econômica de Hanna, ela e Rebeca passam por postos de controle de Israel e por estradas que indicam caminhos para Síria, Arábia Saudita e Iraque. Amos mostra como os países daquela região do Oriente Médio já não podem ser separados, apesar de todas as construções simbólicas colocarem em oposição Israel, apoiado pelos Estados Unidos, a alguns dos países árabes. Para Celso Garbarz, essa interdependência existe. “Há uma mistura constante de rezas, de cheiros. Hoje a música mais apreciada em Israel é a oriental. Uma mistura de línguas”. No entanto, ele diz que a confluência que parece unir também pode ser um fator que afasta. Ele, que viveu durante 35 anos em Israel, afirmou que mais do que físicas, as fronteiras na região são psicológicas. Para a maioria dos israelenses é difícil andar os poucos quilômetros que separam Tel Aviv de Ramalah e saber de fato o que acontece do outro lado. Cláudia Costin explicou que essas barreiras psicológicas a que se referiu Garbarz e que são mostradas de certa forma no filme de Gitai são produzidas nas pessoas desde quando são crianças. O ódio ao outro é ensinado. “Como exemplo, no início da década de 90, na educação dos Bálcãs, em países como a Romênia, Hungria e Albânia, o outro era demonizado de uma forma acadêmica, nas aulas de história. Era ensinado em determinado país que os generais romenos andavam de calcinha, isso na aula de História. Tive acesso a documentos do Banco Mundial que mostram que se ensina o ódio à criança dessa região (Oriente Médio)”. ISRAELENSES DEVERIAM FALAR MAIS ÁRABE Arlene destacou uma frase do filme que para ela resume um pouco a mensagem de Gitai: “Se o israelenses falassem um pouco mais o árabe, as coisas talvez fossem melhores”. A historiadora complementa: “os árabes falam hebraico”. O fato citado por Arlene é conseqüência de uma triste e nada romântica estatística: “cerca de 40% dos palestinos já foram presos em algum momento da sua vida. Também há um desemprego na Palestina que aumenta com a construção do muro. Assim, os palestinos são obrigados a procurar emprego em Israel”. Para ilustrar as dificuldades de contato entre as populações, Arlene conta uma experiência pessoal. Em dezembro, foi a Belém, Cisjordânia, para uma conferência que tratava da não-violência como forma de resistência aos abusos israelenses. Um israelense, ativista contra a ocupação, tentou entrar em Belém, mas foi impedido pelo próprio exército de Israel. “Ele viu o sinal verde e já passava com o carro, quando o guarda fechou a cancela em cima do carro, danificando o carro (...) Existe uma frustração para quem quer ter esse contato. Por outro lado, há um medo de que exista esse diálogo”. No entanto, tanto Arlene quanto Garbarz admitem que ainda que haja parte da população disposta a dialogar, os palestinos são de uma maneira geral como “inferiores”.