Em Israel, uma tentativa de deseducar a violência

Seg, 30/10/2006 - 00:50
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Israelense usa a contação de histórias para debater com crianças judias e árabe-israelenses, em sessões conjuntas, o problema da ocupação e da convivência entre os dois povosShai Schwartz vive em Israel, na vila de Neve Shalom, ou - como pode ser visto no seu cartão de apresentação de ator, diretor e escritor –, também conhecida pelo seu nome árabe, Wahat al-Salem. Se a vila de Shai ganhasse seu nome português, poderíamos chamá-la de Oásis da Paz. Neve Shalom/Wahat al-Salem é uma vila formada conjuntamente por judeus e árabe-israelenses. Ali, há um esforço educacional pela paz, pela igualdade e para que ambas as populações separadas por ações políticas governamentais encontrem alguma forma de convivência que não seja a da dominação de um pelo outro. O israelense foi um dos palestrantes do evento, promovido pelo ItaúCultural, “Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito” e compôs a mesa 3, “A ausência do verbo brincar – crianças armadas”, ao lado de Tim Cunnigham, da organização Palhaços sem Fronteiras. Shai lida com um dos maiores desafios dentro daquilo que se entende hoje como o conflito israelo-palestino: a educação de ambos os lados. Ele trabalha com crianças israelenses e palestinas em sessões conjuntas nas quais levanta questões e procura discutir o dia-a-dia que elas vivem dentro de suas comunidades. Nessas “brincadeiras”, tenta guiar exercícios que levem à desconstrução do ódio que é levantado pela educação dentro de Israel, que vê os árabes como monstros e inimigos a serem destruídos, e a resposta do lado palestino, um caminho natural que vê os israelenses como inevitáveis monstros opressores. “É um trabalho para que possamos criar estruturas educacionais para juntar judeus e palestinos, destruir os estereótipos que um tem do outro”. Durante nossa conversa, Shai me corrige. Para ele, ódio não seria a palavra exata para descrever o sentimento que divide as duas populações. “Não é ódio, é raiva e medo. Vejo que um lado tem raiva do outro, um lado tem medo do outro”. As sessões envolvem uma série de exercícios de teatro, representação e contação de histórias infantis, sempre com, como ele chama, um co-facilitador palestino. Ele explica que deve haver sempre um representante de cada lado. “A cada fim de sessão, saio com uma dor no meu peito, uma dor física. É sabido que na facilitação de grupo essa dor do grupo é sentida pelo facilitador, pois o grupo projeta seus sentimentos nele. Nesse caso, quando absorvo o que vem dos participantes, a tensão, o medo, a raiva, você sente no seu corpo. Não é seu, é deles, mas você sente e machuca. Saio exausto da oficina, completamente exausto, parece que alguém me espremeu”. Durante a palestra que deu durante o “Antídoto”, Shai mostrou e explicou alguns dos métodos que utiliza em seu trabalho. Basicamente, ao apoiar-se na ficção, principalmente na ficção infantil, descobre na criança problemas que ela não revelaria se falasse propriamente sobre ela. O exemplo que ele contou não foi uma experiência em Israel, mas de um outro trabalho que realiza em Londres com vítimas de tortura em conflitos, principalmente africanos. “O que faço é um role-playing. Por exemplo, um dia, um garoto contou uma história e percebemos que a história do personagem principal era a sua própria história. A partir daí, dentro daquela história, fazemos um exercício para que ele represente outros papéis. Dessa forma, podemos abordar problemas sem que ele sinta-se invadido”. Em um dessas sessões, Shai deparou-se com um garoto, que ficticiamente chamou de Mahmud. “Ele dizia assim para mim, ‘eu sou um monstro, quando tenho medo, eu sou um monstro. Mas não sou um monstro quando sou forte e tenho confiança em mim mesmo’”. OLHOS NOS OLHOS, PODEMOS VIVER NA MESMA TERRA? Nas sessões que realiza dentro de Israel, com judeus-israelenses e palestino-israelenses, não existe um padrão de dinâmica fixo no trabalho que Shai realiza. Na realidade, a dinâmica de cada sessão é decidida em conjunto pelos participantes, como as questões que serão abordadas, e até o idioma que será usado. “Geralmente, os palestinos falam em árabe. Mas, na verdade, quando eles se encontram, um dos assuntos que são discutidos é qual a língua em que eles conversarão, que língua eles falarão. Portanto, eles têm de encontrar uma solução, como será falado, se alguém irá traduzir, isso é uma das coisas que eles discutem até que cheguem a um acordo”. Os assuntos que mais aparecem são coisas que os participantes escutam nas rádios e lêem nos jornais, além de coisas que escutam em suas comunidades. “Muitos estereótipos vêem à tona, muito dos jargões políticos que aparecem na mídia. Nós temos que nos livrar disso, temos que deixar isso vir à tona. Isso, eventualmente, aparece como medo, raiva, desconfiança. E nós trabalhamos através disso, conversamos, improvisamos e nos engajamos em uma pergunta: como mudamos a situação, o que podemos fazer para mudar a situação. Isso é o que tentamos fazer no diálogo”. Não me furto de perguntar a Shai qual a possibilidade que ele enxerga de - com a experiência que tem e passa com as crianças dos dois lados, e ao enxergar as dificuldades que políticas governamentais e consensos criam - esses dois povos viverem uma vida compartilhada, coexistindo, seja em um Estado bi-nacional ou na relação entre dois Estados independentes. A resposta: “Quando vou a Londres e vejo centenas de sociedades étnicas diferentes que não entendem uma à outra, que não confiam uma na outra, mas que vivem juntos, penso que sim. Os judeus e palestinos são ambos filhos de Abraão, ambos são semitas, ambos têm vivido no Oriente Médio por um longo tempo. Eles têm muito em comum, as línguas são quase as mesmas. Você sabe que o hebraico e o árabe são línguas semíticas e que têm uma grande influência do aramaico. 80% das palavras são as mesmas. O problema é que há muitos poderes entre nós, de dentro e de fora, que não querem a paz entre os dois lados. Há políticos sem responsabilidade dos dois lados, há fundamentalistas que não querem que haja um sucesso, tanto judeus quanto islâmicos. Há pessoas no Irã e na Síria que não querem que a paz tenha sucesso. E também há os americanos, os franceses, os russos, e todos querem de alguma forma encaixar a sua própria paz”.