Poesia árabe apresentada como elo entre pessoas, tempos, culturas e épocas

Seg, 05/06/2006 - 18:50

Em evento do Instituto da Cultura Árabe, a reunião de poesia e dança procurou mostrar tanto as facetas universais como específicas de versos árabes e brasileiros“A poesia é a forma natural de convivência entre os homens, dizia Otávio Paz. Estamos aqui para ampliá-la”. A referência ao escritor e diplomata mexicano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1990 foi feita pela poetisa Lelia Maria Romero na abertura do II Dîwân, como forma de explicar o porquê de sua realização. Promovido pelo Instituto da Cultura Árabe pelo segundo ano consecutivo, esta edição aconteceu no dia 31 de maio, no Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, a Casa das Rosas. Ali, foram reunidos poesia e dança, intercaladas e se complementando, em um único ato. Dessa forma, foi preservado o sentido original do Dîwân - conforme frisa o poeta e idealizador da iniciativa Michel Sleiman, professor de Língua e Literatura Árabe da USP (Universidade de São Paulo) - enquanto “reunião de textos e linguagens, sons e danças para tratar de uma poesia sem limites de tempo ou lugar, mas ciente de sua especificidade”. Ainda segundo ele, o encontro retrata páginas abertas para o testemunho de artistas que usam os diversos idiomas para diluir a linha “não raro artificial e isoladora dos povos e nações”. Nesse sentido, a poesia árabe cumpre papel fundamental. “É universal e tem uma linguagem muito próxima do que vemos normalmente em português. Mas tem suas particularidades e brilha, apesar da fuligem e do pó da destruição que assola várias partes do mundo árabe”, observa Sleiman. Para ele, dessa forma, consegue se impor. Além disso, atesta o professor, é “a encarnação da resistência”, como ficou demonstrado em diversas apresentações do Dîwân. “Entre os gêneros literários, é ainda a principal linguagem do mundo árabe.” Romero conclui: “É o fio que diminui a distâncias entre as pessoas, culturas, tempo, épocas”. BELEZA E CRÍTICA SOCIAL A primeira interpretação foi feita por Romero, que também organizou o evento. Ela leu poema do brasileiro Waly Salomão, intitulado “Tarifa de embarque”, que diz, em um de seus trechos: “...retire da tela teu imaginário inchado de filho de imigrante e sereno perambule, e perambule desassossegado e perambule e perambule e perambule. Eis o único dote que as fatalidades te oferecem, perambule. As divindades te dotam deste único talento”. Parte da obra do renomado poeta sírio Adonis foi traduzida por Sleiman e pôde chegar, em português, aos ouvidos da platéia que prestigiou o Dîwân. Da série “Flor da alquimia”, quatro deles – “Árvore do Oriente”, “Árvore dos cílios”, “Árvore da aflição” e “Flor da alquimia” – tiveram a interpretação de Cláudio Daniel. Ao final do último poema, a sentença: “...nos lábios órfãos e sua sombra ferida está a antiga flor da alquimia”. Também de Adonis, o poema “Um túmulo por Nova York” teve quatro de seus capítulos lidos por Horácio Costa. A crítica à cidade estadunidense e o que representa é descortinada nessa obra, escrita há 35 anos, e evidencia-se em trechos como “Nova York + Nova York = um túmulo ou qualquer coisa que tenha no túmulo; Nova York – Nova York = o sol”. Costa aproveitou o ensejo para homenagear Haroldo de Campos, que foi “quem primeiro falou desse poema (no Brasil) e a quem essa casa é dedicada com justa causa”. O desencanto da partida esteve presente em “O longo inverno de Rita”, do palestino Mahmud Darwich, um dos maiores poetas árabes da atualidade, traduzido e interpretado pela professora de Língua e Literatura Árabe da USP, Safa Jubran. Compôs a programação ainda “A profetisa com seus cabelos longos a tocar as nascentes”, do libanês Unsi Al-Haj, traduzido e interpretado por Sleiman, o qual indicou a importância do autor: “Foi um dos fundaram no mundo árabe o verso e prosa.” O espanhol Federico Garcia Lorca também não ficou de fora do Dîwân. Seu poema “Cacida da mulher estendida”, traduzido por Oscar Mendes, foi lido por Romero. Lelia ainda leu um poema de sua autoria, “Borboletas”, que foi recitado enquanto a bailarina Leandra Yunis apresentava a coreografia “Crisálida”, sobre a canção tradicional “Ichtaktellak”. A poética do gesto esteve presente ainda na dança em estilo clássico oriental sobre a música “Nado”, da professora Márcia Dib. E em outra interpretação de Yunis, que transitou para o balé moderno, em sua coreografia “Entre esperanza y deseo”, sobre a música de mesmo nome de autoria de Asbed Azrie e Pedro Aledo, fazendo inclusive referência ao flamenco. Como um bom Dîwân, houve ainda espaço para artistas que não estavam na programação, como Kháled Fayez Mahassen, o qual apresentou poemas de sua autoria.