Uma viagem pelas viagens de Aziz Ab´Sáber

Qua, 03/12/2008 - 15:50

Em palestra realizada na última quinta-feira, o geógrafo e presidente de honra do ICArabe detalhou algumas de suas viagens em pesquisas e a visita que fez à região de origem de seu pai, o Líbano.Nas paredes da sala de exposição “Imagens e Paisagens do Mundo Árabe” promovida pelo Instituto da Cultura Árabe, na CAIXA Cultural, uma favela no Jardim Edith, São Paulo, destruída pelo fogo. No mesmo quadrante, uma casa em uma pequena aldeia no Vale do Jari, em território do Amapá. Imagem seguinte, voltamos a São Paulo, 2008, uma fileira de prédios, e nas palavras do curador e autor da seção, Aziz Ab´Sáber, “paisagem representativa de blocos de arranha-céus, surgidos nas colinas do bairro do Jaguaré, documento de que todos os espaços viraram mercadoria, inclusive o céu” Se o visitante se importar em ver mais algumas das fotos, irá olhar a extração em uma seringueira em plena Floresta Amazônica, um registro de um “Grupo de alunos das Ciências da Terra” em visita ao Rio São Francisco e sertanejos vendedores de peles de carneiro, na Bahia, todos registros de 1963. Um pouco além, estão a visita do renomado geógrafo uruguaio Jorge Chebataroff ao Rio Grande do Sul, à “gruta de abrasão na margem interna da Lagoa de Itapeva”, o impressionante registro da construção de Paulo Afonso e um registro duplo, de 1946 e 2002, da cidade onde nasceu o autor das fotos, a cidade histórica que fez parte da rota do ouro do Brasil no século XVIII e do ciclo do café no XIX, São Luís do Paraitinga. Na última quinta, 27 de novembro, o geógrafo e presidente de honra do ICArabe deu palestra como parte da Exposição, e falou detidamente da seção especial “O Brasil de Aziz Ab´Sáber”. Dividiu ali uma parte da experiência que teve nos seus anos de pesquisa. E, como a seção especial que organizou para o Instituto, nos levou a sua visão do país sobre o qual refletiu como poucos. Começou falando da praça da Sé, que está bem aos pés do local onde acontece a Exposição. Ele veio a São Paulo para prestar vestibular, em novembro de 1939, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Descreveu o percurso que fez, de condução, saindo da praça da República, passando pelo Viaduto do Chá e rua Direita até chegar à Sé. “Havia uma discriminação racial. Do lado de lá, os branquelas, do lado de cá, desde negros até mulatos. No passado, era um povo de parte a parte. Por que essa discriminação? Quem morava no Glicério e na Tabatinguera não se misturava com os brancos que freqüentavam o Teatro Municipal”. Fez um escrutínio do centro de São Paulo, lugar que conheceu bem. Foi ali que seu pai, Nacib Ab´Sáber, vendeu objetos de ouro quando a família mudou-se para a capital. O presente da avó de Aziz foi dado ao pai quando saiu do Líbano pela última vez, ainda na década de 10, 1917. Havia sido guardado para emergências. Desse centro, destacou ainda o Pátio do Colégio, um dos símbolos da colonização da atual capital paulista. Este não foi exclusivamente uma estratégia dos jesuítas aplicada na então vila de São Paulo. Ab´Sáber viu resquícios dela em regiões da Amazônia, uma forma que facilitava aos missionários educar (ou deseducar) na religião os habitantes nativos. O caminho de Aziz pelo Brasil começou com uma viagem com colegas da faculdade. Ele já conhecia os mares de morro do Estado de São Paulo, a região que sai do litoral, de Ubatuba, e entra pela Serra e vai até Taubaté depois Cunha, passando por São Luís do Paraitinga. Foi seu berço geográfico. Para o pesquisador, no entanto, a necessidade de conhecer o país teve outro marco. Foi uma viagem que fez até o Brasil central com dois amigos geógrafos, Pasquale Petrone e Miguel Costa Júnior. “Miguel disse: ‘Aziz, vamos dar um jeito de ir a Goiás e Mato Grosso’. Isso foi importante, pois o trabalho mais denso que fiz foi sobre essa região”. O caminho percorrido foi São Paulo-Uberlândia-Aragarças, onde o rio Garças se encontra com o rio Araguaia. No caminho, pôde ver “áreas cristalinas, solos vermelhos tipos floresta, e que do alto Paraná até Aragarças era tudo cerrado, cerradões e cerradinhos, chamados de campestres, que depois perdeu o posto, pois no sul o campestre era chamado de campina”. A volta da viagem foi “dramática”. Combinaram que um caminhão os levaria de volta a Uberlândia. Mas já no início do trajeto, na saída de Aragarças, o caminhão tombou de lado. “Inventamos uma alavanca e viramos caminhão. Voltamos a Aragarças. Conto essas coisas porque em uma certa época, no país, para se fazer pesquisa, tinha-se que enfrentar as coisas mais diversas, impossíveis e inimagináveis”. O passo seguinte foi o Nordeste. “Fiquei maravilhado. Ali há outro grande transecto (corte da paisagem). Saindo das colinas costeiras que tiveram grandes plantações de cana, das cidades costeiras, saímos dos tabuleiros costeiros. No caso da Paraíba, sobe-se a escarpa da Chapada da Borborema, onde desmataram tudo, passa-se pelo agreste, depois pelo alto sertão, já com outras condições físicas e possibilidades de sobrevivência para a população”. Já em 1952, Aziz conhece a Amazônia. E, depois, nos apresenta a ela, “do discurso à práxis”. A viagem com seus colegas durante o carnaval foi de fato um marco para Ab´Sáber, mas sua vontade de viajar deve algo à trajetória de seu pai. “Meu pai veio a primeira vez aos 15 anos, mandado pela mãe, que tinha medo de o marido gostar de alguma brasileira. Achou meu avô e voltaram. Quando chegou no Líbano, foi considerado um herói, pois havia atravessado todo o Atlântico com pouca idade. Na chegada aqui, viveu aventuras. Rodou na alfândega procurando alguém com um rosto árabe que o ajudasse. Encontrou uma mulher com olhos árabes, por isso consigo identificar olhos de mulheres árabes de longe. Ela disse, ‘vá à estação central do Brasil, ao guichê e diga ‘Taubaté’, e dê o dinheiro’. Essa é uma das difíceis histórias do migrante árabe”. Aziz completou sua seção na Exposição com imagens que fez durante a viagem ao Levante, a Síria, Líbano e e Egito, em 1997. Tinha vontade de ver as paisagens de onde Nacib saiu. E uma noite, fugiu do hotel onde o grupo que o acompanhava estava para sentir o clima que vinha de um deserto savanóide, na Síria, em uma aldeia ao lado de Palmira. “Senti o clima e não era nada desagradável, e as pessoas conversavam bastante. Jogavam baralho”. Sua visão, que congrega a população à geografia, não deixou de se entristecer. Notou duas coisas. A precariedade dos postos de gasolina no Líbano, “o que contrasta com a quantidade e a grandiosidade de alguns dos nossos no Brasil”. Mas o que mais o marcou foram as casas onde moravam os palestinos, “precárias, debaixo de um sol forte, em uma paisagem tão bonita”. O geógrafo teve certas dificuldades de comunicar-se com os Ab´Sáber que tentou contatar no Líbano. Alguns deles não falavam nem inglês nem francês. Aziz, mesmo com um “nome de sheik árabe”, não fala árabe. Motivo: “fizemos uma viagem em família quando eu era pequeno a Aparecida do Norte. Uma síria chegou e falou com meu pai em árabe. Minha mãe ficou com ciúmes e disse a ele: ‘lá em casa, nunca mais se fala turco!’”. Seção “O Brasil Aziz Ab´Sáber”, viagem breve mas muito recomendada.