Filmes do Oriente Médio trazem retratos de lutas por novas identidades

Seg, 09/06/2008 - 20:50
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A 2ª Mostra Imagens do Oriente, realizada pelo Instituto da Cultura Árabe e o Centro Cultural São Paulo, expõs diversas sociedades e, com a presença de diretores iranianos, debateu a atual realidade do cinema no Oriente Médio, que, segundo o curador Massoud Bakhshi, desde o 11/9, está em busca da construção de e da reflexão sobre suas próprias identidades.Na última semana de maio – de seu dia 27 a 1º de junho -, o Instituto da Cultura Árabe e o Centro Cultural São Paulo realizaram a 2ª Mostra Imagens do Oriente, uma seleção feita pelos curadores Massoud Bakhshi, cineasta, e Arlene Clemesha, historiadora, de filmes produzidos em países do Oriente Médio. Em destaque, produções iranianas, palestinas, paquistanesas e sírias que traziam um mergulho profundo em questões sociais médio-orientais. No segundo dia, após a sessão do palestino “Faixa de Gaza”, quatro diretores iranianos convidados debateram a atual produção no Irã, mas que de alguma forma podem nos dar alguma idéia de um sentimento geral que se espalha por toda a região, incluindo alguns países árabes. Os relatos de Mohammad Afarideh, Ali Mohammad Ghassemi, Abolfazl Saffari e Massoud Bakhshi mostraram como funciona a produção iraniana, baseada em um pesado incentivo do Estado. Além disso, deu a oportunidade de conhecermos uma jovem safra de diretores que desenvolvem novos caminhos e estilos. Eles deixam aos poucos a herança de um nome como o de Abas Kiarostami, diretor que ganhou a cena mundial com filmes como “Gosto de Cereja” e “Dez”, e desenvolvem um novo olhar por trás das câmeras do Irã. EM BUSCA DA IDENTIDADE DEVASTADA Bakhshi enxerga um movimento mais geral dentro das artes dos países do Oriente Médio. “Hoje, após o 11/9 setembro, a região como um todo está buscando a sua identidade”. Uma mostra disso foi o filme de Ali Ghassemi, exibido no fechamento da mostra, “Escrevendo na Terra”, destaque em festivais internacionais e que fez sua estréia na América Latina na mostra realizada pelo Icarabe. O filme é uma reflexão sobre o fundamentalismo religioso que assola o mundo como um todo, e que pode ser visto em diversas manifestações. ‘Eu sou a agonia de Deus’ foi uma das frases que apareceram no longa de Ghassemi. Na história, um homem perde a mulher no nascimento do filho, que vem à luz natimorto. Diante dessas angústias, procura as respostas na violência. “É uma pessoa que acredita que foi selecionado por Deus e que, pelo seu sofrimento, deve matar crianças que podem vir a pecar. Ele pensa que está ajudando a Deus, quer uma sociedade mais limpa. Ele acredita que seus familiares morreram pela má conduta da sociedade”, explica o diretor. O filme levou quatro anos para ser terminado, pois a história foi ganhando os seus contornos finais à medida que era editada. Depois da filmagem de quatro meses no norte do país, próximo à fronteira com o Azerbaijão, o trabalho mais pesado ficou com a montagem do áudio. E nesse tempo, o olhar do diretor sobre a narrativa mudava. Bakhshi, produtor do filme, explica que não era vontade de Ghassemi que o fundamentalismo entrasse como parte central da narrativa, mas após o 11/9 e a invasão do Iraque isso foi inevitável. Ghassemi completa que chegou a um ponto em que “queria de fato discutir esses assuntos, criticar e refletir sobre o fanatismo do qual nosso país é acusado”. No filme, ele não retrata nenhuma religião especificamente e procurou inventar rituais que não se relacionam especificamente a qualquer crença. Um filme com poucos diálogos que torna-se uma experiência sensitiva, uma viagem por uma crítica que o diretor não se esquivou de fazer, uma profunda reflexão sobre algo que torna-se essencial ser percebido para que a contemporaneidade seja entendida. E O FILME SOFREU CENSURA DO GOVERNO IRANIANO? A pergunta acima não se aplicou apenas ao filme de Ghassemi, mas foi feita em qualquer oportunidade em que o debate era aberto ao público. Os filmes sofrem censuras? Como é tratada a sexualidade na cinematografia iraniana? Mohammad Afarideh fez questão de explicar: “antes de falar sobre a sexualidade nos filmes iranianos, gostaria de dizer que as relações humanas no Irã têm uma coloração diferente, têm uma forma diferente de serem vistas pelas pessoas. Quando vejo um filme brasileiro, também tenho uma série de perguntas e dúvidas a respeito do Brasil”. Bakhshi completa: “acredito que a dificuldade é que os filmes iranianos e os filmes árabes apresentam uma ótica oriental, diferente do que um ocidental mostraria em determinada situação”. Afarideh, responsável pela primeira das respostas, é, desde de 2001, o diretor do Centro de Cinema Documentário e Experimental do Irã (o Defc, em sua sigla inglesa) e dono de uma carreira consolidada dentro dos mecanismos de produção iraniana. Produziu, dirigiu e lecionou em escolas de cinema do país, que hoje oferece, para um jovem iraniano, quatro grandes universidades onde pode se adquirir uma graduação completa de cinema, além de outras escolas locais nas principais cidades que disponibilizam formação em um nível não acadêmico. De 1997 a 2001, ele foi diretor do IYCS, o Centro de Cinema Jovem do Irã, onde produziu 700 curtas. Além da experiência, é o responsável por bater o martelo para a realização prática de idéias que estão apenas no papel. “Eu sou o responsável por olhar os roteiros de jovens cineastas iranianos e decidir o que será feito e o que não será feito. Agradeço pela oportunidade de estar em seu país, inclusive porque me afasto um pouco e ganho férias dos insistentes pedidos que me são feitos”. O Irã produz anualmente algo em torno de 2200 filmes por ano, entre 120 ficções longa-metragens em 35mm e 2000 curtas, entre documentários, animações, e filmes de estudantes e amadores. Um dos principais problemas que os filmes sofrem no Irã não é exatamente a regulação estatal, mas um limite de distribuição e imposições do mercado, que impedem que grande parte da produção seja exibida para uma grande massa de espectadores. Massoud revela que o filme de Ghassemi não foi exibido no Irã. “‘Escrevendo na Terra’ é um filme que não tem mercado para um grande público, por isso os distribuidores não o pegam”. O público não desiste. E a imagem que chega até nós de uma sociedade oprimida? Ghassemi oferece uma outra imagem, a sua visão, a visão de um iraniano que vive dia após dia no Irã. “Exemplo: o sexo jamais será mostrado de forma explícita, pois isso é uma característica de nossa religião, não tem nada a ver com o governo”. Mas há um meio-campo a ser feito entre autoridades e cineastas. Isso feito é por instituições como o Defc e o IYCS, que, segundo Bakhshi, são semi-governamentais e têm metades de suas receitas provenientes do governo. Além disso, há uma fundação governamental de cinema, a Farabi Foundation, que banca de 30% a até 100% de uma produção. O restante do capital é captado de forma independente. Mas, de novo a pergunta, e o governo, que banca parte da produção, proíbe, censura? “Há uma pessoa que faz essa ligação entre o governo e os jovens cineastas. Os cineastas fazem seu roteiro, tratando dos mais diversos assuntos, como homossexualidade ou drogas. Eles colocam como querem. A função da pessoa dirigente é repassar e explicar ao governo de uma forma que ele queira ouvir”.