O Brasil diante dos países árabes: dos anos 1970 à ASPA

Qui, 05/06/2014 - 15:58
A política externa brasileira, apesar de ter patinado em seus anseios, valores e metas no início dos anos 1990, tem sido marcada por um continuum desde pelo menos os anos 1930. Em um jogo complexo, o Estado, independente da conjuntura, tem sido o artífice do desenvolvimento nacional. Claro que essa posição é digna tanto de análises positivas quanto negativas, mas a percepção que homens de Estado, como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Costa e Silva, Geisel, entre outros que ocuparam a presidência nessas décadas, têm tido é simples e digna de nota: as relações de dependência impostas pelo sistema nos impedem, pela livre-concorrência, de atingirmos o máximo da nossa capacidade. Para tal, a prescrição protecionismo-investimento público/privado na transformação da nossa matriz agro-exportadora em algo mais, e o desenvolvimento, por exemplo, da Embraer não nos deixa negar que avançamos, foi a mais correta.

Diante desse progresso considerável do nosso país no último século, a ascensão à presidência de Luís Inácio Lula da Silva no ano de 2003 foi uma etapa importante e que gerou frutos consideráveis para nossa inserção internacional. O Itamaraty, chefiado por Celso Amorim, e a presidência da República retomaram a percepção de que o desenvolvimento nacional perfazia necessariamente a busca de novas parcerias, e o foco fundamental voltou a ser nas relações Sul-sul, das quais poderíamos tirar as melhores lições econômicas, sociais e para nossos anseios políticos. 

Tal empreendimento de monta foi concretizado, por exemplo, através da realização da Primeira Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA), convocada pelo presidente Lula e que ocorreu em Brasília, no ano de 2005. Outras cúpulas a sucederam, em Doha, no Qatar, em 2009, e em Lima, Peru, em 2012, e a ampliação gradativa da agenda conjunta entre as duas regiões demonstrou as possibilidades que se abriram a partir dos contatos. 

A aproximação do Brasil com os países árabes, para além da migração, em especial de sírios e libaneses que já data do final do século XIX, aprofundou-se nos anos 1970. Em que pese as próprias dinâmicas da região – o Golfo, por exemplo, somente se tornou efetivamente independente do Reino Unido no final dos anos 1960 –,  o Brasil manteve-se atento às possibilidades de relações econômicas e diplomáticas com a zona em questão. Em 1973, por exemplo, abrimos nossas embaixadas no Iraque, que se tornaria um importante parceiro até os anos 1980, e na Arábia Saudita. Buscávamos então petróleo e espaço de comercialização de nossos produtos industrializados que sofriam com o forte protecionismo dos países do norte.  Nos anos 1980, nossa inserção continuou profunda. 

No início dos anos 2000, com os atentados terroristas e subsequente invasão norte-americana contra o Iraque, em 2003, por um breve momento pareceu que a política árabe circunstanciaria, mais uma vez, uma agenda imposta de fora, pelos Estados Unidos. Todavia, com o peso político do então presidente brasileiro, com o discurso contestador de Irã, Síria, Líbia, e a posição pouco submissa mesmo de parceiros tradicionais dos EUA, descontentes com os resultados da guerra do Iraque, a guinada de “cooperação multidimensional”, como se convencionou referenciar desde a declaração da Cúpula de Doha da ASPA, foi o caminho tomado. 

Os resultados são no geral bastante positivos. O comércio entre o Brasil e os países árabes tem crescido, com superávits para nosso país. Produtos como o açúcar, carnes congeladas, ferro e outro serviços lideram a pauta, enquanto para produtos industrializados menores, a competição sino-indiana e os custos logísticos ainda são entraves. Por outro lado, há áreas importantes que pouco são vistas, como os investimentos árabes na produção de alimentos no Brasil, preocupados com a segurança alimentar, e o turismo. 

O êxito das Cúpulas, com ganhos consideráveis para as duas regiões, tem sido, todavia, político. Apesar do foco majoritário do esforço de aproximação ter sido o aumento do intercâmbio comercial, o processo que levou ao reconhecimento do Estado Palestino com as fronteiras de 1967 e com Jerusalém Oriental como sua capital, pelos países sul-americanos, a partir do gesto do ex-presidente Lula em 2010, catalisou mais peso político para a cúpula de 2012, em Lima. 

Se o caminho para a inserção internacional do Brasil e da América do Sul como um todo perpassa a cooperação sul-sul, os Estados árabes apresentam-se como bons sócios, e mesmo diante da instabilidade política em alguns países da região desde 2011, as oportunidades continuam a surgir. O objetivo comum do desenvolvimento nacional, superação das assimetrias, da dependência e da crise global une a todos os países em pauta, respeitando claro, as particularidades locais e regionais. O que não podemos fazer é deixar esse esforço se esmorecer por incompetência ou falta de visão estratégica. A institucionalização básica promovida pela ASPA é, quiçá, um bom caminho para continuarmos cooperando de forma “multidimensional”.  

Danillo Alarcon  é Docente na Pontifícia Universidade Católica de Goiás - Bacharelado em Relações Internacionais, Mestre em Relações Internacionais - UnB/Brasília e Bacharel em Relações Internacionais - Unesp/Franca.

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