Palestina é uma prisão; Gaza, uma jaula de segurança máxima

Qua, 01/04/2015 - 09:53
O ambiente opressivo do serviço de fronteira de Israel para autorização da entrada de imigrantes e visitantes vindos de Aman - Jordânia - se instalou rapidamente para a delegação brasileira, que nesta terça-feira (31/3) foi obrigada a passar pelo controle israelense, ainda que seu destino fosse a Cisjordânia, território da Palestina ocupada.

Ao final, em um gesto de hostilidade com o grupo que se preparava para um encontro com o embaixador Paulo França, o representante do Brasil para o Estado da Palestina, a delegação foi ostensivamente desmembrada pela polícia israelense que barrou a entrada na Palestina de dois integrantes que apresentaram sobrenome de origem árabe, Soraya Misleh, membro da Diretoria do ICArabe, e Mohamad El Kadri.

A Missão Humanitária à Palestina é formada por integrantes do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial e entidades brasileiras que se dispuseram a cumprir a tarefa aprovada pelo Conselho, em reunião de Hammamed, Tunísia, em novembro de 2014, de levar solidariedade ao povo palestino, especialmente na Faixa de Gaza, destroçada pelos bombardeios de 2014.

O encontro com as forças de segurança do governo de Israel começou às 16h, com a apresentação dos quinze passaportes da delegação. Após meia dúzia de palavras trocadas com policiais da imigração, que apenas identificaram a origem brasileira do grupo, os(as) 15 integrantes da delegação foram instalados(as) em cadeiras de alumínio pouco confortáveis para uma longa espera - e ali foram castigados por quase cinco horas, sem explicação.

Vez ou outra, um policial aparecia com perguntas sobre a identidade daqueles brasileiros de sobrenome árabe, deixando evidente que o menor traço de ligação familiar com a população palestina não seria admitido.

A sensação de vigilância e a imposição de uma espera inútil, em uma tarde de pouco movimento no serviço de imigração, logo remeteu a delegação à lembrança dos tempos da ditadura no Brasil e a preocupação com os companheiros que provavelmente seriam retidos na fronteira.

Em gestos de solidariedade e de indignação com o tratamento recebido, o grupo entoou algumas canções que falam por si sobre o serviço de imigração. Uma delas, a "Suíte do Pescador", foi entoada em solidariedade com os integrantes de origem árabes, cujos passaportes circulavam nas mãos de policial a policial, entre um interrogatório e outro. Outra canção serviu para manter o ânimo e bom humor do grupo, ao reavivar o sentimento de que a resistência palestina e a solidariedade internacional não cessarão até que a ocupação tenha fim. Entre as paredes frias do serviço de controle de passaportes, o grupo brasileiro fez ecoar em coro a canção de Chico Buarque de Holanda, que outrora enviou recados da resistência aos generais do Brasil: "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia."

A volta de Soraya Misleh e Mohamad Kadri para Aman foi marcada por despedidas, abraços e a reafirmação do compromisso da Missão Humanitária, de ouvir e levar a mensagem do povo palestino que vive sob o cerco de Israel. O objetivo da Missão é chegar a Gaza, ainda que idas e vindas sejam necessárias até que a travessia ao território isolado seja cumprida.

Por ora, Gaza está cercada por todos os lados, com fronteiras fortemente bloqueadas por Israel, inclusive na divisa com o Egito. A entrada ou saída tem sido barrada, assim como o fornecimento de produtos essenciais para a vida no território devastado. Materiais de construção, medicamentos e diversos produtos alimentícios não chegam à Gaza. Os túneis que serviam para furar o cerco e abastecer a população foram destruídos. Gaza converteu-se em uma prisão de segurança máxima. Ali só entra ou sai quem Israel autoriza.

Na Cisjordânia, a vida é barrada a todo momento pelos check points que obrigam trabalhadores a gastar horas para chegar ao local de emprego e as crianças a passarem por vistorias policialescas para chegar à escola. É o que a Missão Humanitária vai conferir durante os próximos dias.

Do serviço de fronteira até Ramallah, onde o grupo recém-chegado se instalou para a primeira noite, foi possível testemunhar um pouco da humilhação e desgaste cotidiano por que passam os palestinos. Na fila para um dos muitos check points de Israel, na Estrada 90, o que se constatou foram quilômetros e quilômetros de congestionamento, de trânsito absolutamente parado e sem possibilidade de retorno. Não foi possível concluir se aquelas pessoas chegariam ao seu destino na mesma noite ou se teriam de esperar a lenta verificação de documentos, automóvel por automóvel, até a manhã seguinte.